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Anticlímax

  • Caio Assis
  • 27 de nov. de 2015
  • 3 min de leitura

Maria de Lurdes tem dezenove anos e é camareira de um hotel no centro da cidade. Caprichosa que só ela, e também muito encantada com o mundo e com o cinema, a menina diz que seu sonho é ser atriz. “De Hollywood”, enfatiza para quem quiser ouvir.

— Igual sonhava em ser roqueira mês passado, Lurdinha?, quando os meninos daquela banda estavam hospedados aqui? — quem costuma castrar seus sonhos assim é Zé, mensageiro do hotel e seu colega de trabalho. E um pouco mais pé no chão do que a doce menina.

— Acredita que só terminei agora, Zé?

— Desde aquela hora?

— Sim, desde aquela hora. Mas agora vai ser ligeiro, os outros quartos devem estar limpinhos. Você viu aquela hora que eles chegaram ontem? Então, foram tudo pro 321, daí a bagunça ficou toda concentrada.

— Mas que diabo será que eles foram fazer tudo junto uma hora daquelas, Lurdes?

— Ué, e tu não sabe? Eles estão aqui por causa daquele festiv…

— Sim, eu sei. Mas só por causa disso tem que ficar fazendo bagunça pra tu arrumar?

— Ah, eles é que estão certos. Tem mais é que aproveitar mesmo. Eu, se pudesse, faria é igual. Já pensou, viajar pra um monte de lugar pra apresentar meus filmes?

— Que filme? — brinca Zé, em ironia ao sonho da moça. — Isso não é pra tu não. Pra tu é aquela cama desarrumada que tem ali no 302, vai lá, vai.

Ela sorri.

São meia-noite e quinze e seus mais novos melhores hóspedes acabam de chegar depois de mais uma noite de Primeiro Plano. “Boa noite”, diz um deles, simpático apenas. Logo atrás vem uma moça, que retribui o sorriso de Lurdes, como se já conhecesse jovem camareira (que às vezes, dependendo do hóspede, se mete a recepcionista também). É o bastante para Lurdinha.

Lurdes suspira.

Há dias a jovem camareira ouve, entusiasmada, as conversas pelos corredores do hotel, mesmo sem entender muito bem do que eles falam. Tantos diretores, roteiristas, atores — todos jovens como ela — juntos no mesmo lugar, só poderia gerar bons frutos, parcerias para filmes futuros, debates sobre filmes passados.

— Não é não, moça? — pergunta um deles para Lurdes em tom de brincadeira.

A camareira congela.

Ela vai à cozinha, abre a geladeira e faz questão de entregar ela mesma o próximo pedido de cerveja. Quando lhe convém, Lurdes também faz a garçonete. “Como é mesmo seu nome?”, pergunta a menina de cabelo colorido. “É Lurdes, né!?”, responde, lá de trás, o cabeludo cheio de piercings no rosto. “Ou Malu”, completa Maria de Lurdes, toda empolgada com o momento. E coitada, tão deslocada da nova realidade. Apesar da euforia, não lembra sequer qual foi a última vez que pisou numa sala de cinema.

Malu se derrete.

E no calor do meio-dia está ela lá fora de novo. Dessa vez ela também é mensageira. “Deixa eu te ajudar, Zé, com essas malas”, prontifica-se, enquanto pergunta ao outro, que acaba de chegar, “o que tem aqui, moço, também é coisa de cinema?”

E era mesmo. Se em uma sala de cinema foram raras vezes em toda a sua vida, contato com equipamento cinematográfico então... Maria não tinha nem ideia de como era a câmera que filmava aquilo tudo.

Lurdinha se deleita.

Por muita sorte sua, tamanho foi o sucesso do tempo de hospedagem no hotel que os jovens cineastas resolveram até gravar cenas de um curta. “Você pode vir gravar com a gente Malu?”

Maria de Lurdes desmaia.

— Para tudo! Vamos socorrer a moça! — berra alguém da outra porta, deixando todo o resto em segundo plano. Poucos segundos depois, no entanto, ela levanta e ouve de Zé. “Que foi isso, Lurdinha, não é você não sonha em ser atriz? Ficou nervosa, foi?”

— Que nervosa que nada, José Antônio, eu estava era ensaiando para o meu filme.

 
 
 

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