1+1: a soma que está mostrando como o amor é natural
- Lucas Guedes
- 4 de ago. de 2016
- 9 min de leitura

Foto: Divulgação/Faro Editorial
Você já se sentiu representado por uma obra literária? Já se identificou com personagens de um livro? Lembrou de momentos da sua vida ao folhear as páginas de uma história? Teve sonhos, desejos ou até mesmo medos que, quando transformados em palavras, construíram uma narrativa que se aproxima da sua realidade?
Para muitas pessoas, a obra “1+1: A Matemática do Amor” é onde essa mágica experiência acontece. Contando a história de dois amigos de infância, Lucas e Bernardo, o livro narra a trajetória de ambos a partir do momento em que um deles recebe a notícia de que irá se mudar com a família para outro país.
Diante da situação, que faz com que eles percebam o valor da amizade, Bernardo reage mal e se revolta, enquanto Lucas tenta transformar cada dia que resta com o amigo na melhor experiência de suas vidas. Ele escreve uma lista de coisas para fazer e pretende cumprir uma por uma, em todos os detalhes.
Contudo, o fantasma da separação os assombra com um cronômetro, lembrando que o tempo está se esgotando. Ao longo desses dias, os dois passam por grandes momentos juntos e percebem que há algo maior entre eles. Um sentimento profundo, que não conseguem explicar e tornam todas aquelas experiências ainda mais intensas.
Mas o que fazer com tudo isso quando se tem apenas 16 anos?
Para descobrir onde essa pergunta irá levá-los, você terá que se aventurar pessoalmente junto a Lucas e Bernardo. E, para dar um gostinho de como essa história foi construída, o Uma Pá de Histórias conversou com os escritores Augusto Alvarenga e Vinícius Grossos, que revelaram alguns detalhes desse processo criativo:
Uma Pá: Como começou a experiência de vocês com a literatura?
Augusto: Muito cedo. Sempre fui um “menino de biblioteca”. Desde que aprendi a ler, sabe? Não sei responder exatamente, mas eu diria que foi com uns cinco anos de idade.
Vinícius: Desde que eu era novinho. Minha mãe era professora e sempre me incentivou a ler. Inclusive, sempre gostei mais de ganhar livros e gibis do que brinquedos. A princípio, eu queria trabalhar com histórias em quadrinhos, então eu desenhava algumas coisas. Mas, com o passar do tempo, percebi que gostava mesmo é de escrever.
Uma Pá: Vocês têm assuntos ou estilos de escrita favoritos?
Augusto: Gosto mais de ler e escrever coisas contemporâneas, por ser o estilo com o qual mais me identifico. É muito o que está ao nosso redor, porém, na forma de palavras. Tenho muita facilidade de catalisar percepções nesses casos, então acho mais gostoso.
Vinícius: O estilo que eu mais gosto é o jovem adulto. Geralmente realista, retrata o cotidiano, geralmente temas mais comuns à vivência do adolescente. Suas experiências e a visão que tem delas. Em muitos casos são temas polêmicos. É um estilo muito popular nos Estados Unidos, mas vem ganhando cada vez mais força no Brasil.
Uma Pá: Aspectos desses estilos literários influenciam suas próprias produções?
Augusto: Com certeza. Eu tenho muito mais facilidade em escrever coisas que tenham a ver com o que leio. É como se continuasse no mesmo “universo”, mudando apenas os personagens e tramas.
Vinícius: Também adoro escrever seguindo esse estilo. Sou aficionado por transformar assuntos cotidianos em histórias, deixando-os, de certa forma, mais “atraentes” para os meus leitores. Gosto de assuntos atuais, mas trabalhados com uma escrita mais leve.
Uma Pá: Como é o processo criativo de vocês?
Augusto: Basicamente, tudo é meu processo criativo. Às vezes, passeando com o cachorro, indo à padaria ou mesmo no metrô, qualquer coisa que eu vejo e escuto pode servir de inspiração. Gosto de brincar que eu sempre estou em processo criativo. Não posso perder nada.
Vinícius: Quando tenho uma ideia, é um mistura de várias coisas. Sou uma pessoa muito sensível ao que aconteceu ao meu redor, no mundo. A minha escrita envolve desde coisas que eu vivi até coisas que eu ouvi no supermercado ou uma música que me inspira. Eu junto tudo e me vem uma ideia. Porém, embora esse processo seja muito orgânico, eu gosto de criar uma rotina quando começo a escrever um o romance. Isso é importante. Mesmo quando não me sinto inspirado, me forço a escrever, pois posso repensar o que escrevi em outro momento.
Uma Pá: Vocês gostam de expressar experiências próprias nos seus livros? Há alguma em específico que vocês possam compartilhar conosco?
Augusto: Depende muito. Nem sempre são coisas que eu vivi. Às vezes, tem mais a ver com um amigo ou com algo que eu gostaria de viver, mas não vivi. Muito do que está no livro são coisas que eu penso e tudo sempre tem a ver comigo, mas é raro eu colocar explicitamente um acontecimento pessoal, porque aí deixa de ser a história do personagem e passa a ser a minha. E isso, para mim, acaba não sendo interessante - criativamente falando, é claro.
Vinícius: Não é uma regra escrever minha vivência nos livros. Mas é engraçado. Eu percebo o quanto de mim foi dado à história somente quando ela termina. Quando leio ela por completo, percebo nuances da minha personalidade e/ou da minha própria vida. Embora eu não tenha um exemplo que eu possa te falar que é mais a minha cara, todos os meus trabalhos tem uma cena ou uma visão de mundo minha do que eu sinto. É muito intrínseco.
Uma Pá: A abordagem da temática LGBTTI no "1+1" chamou a atenção de muitas pessoas, mas vocês já produziram outros trabalhos que situam o assunto?
Augusto: Sim! A primeira vez que o tema apareceu em algum trabalho meu foi no “Um Amor, Um Café & Nova York 2”, onde (ALERTA DE SPOILER) dois amigos da protagonista formam um casal gay. Apesar de sempre ter vontade de abordar o tema, só senti que ficaria bem “colocado” no segundo livro, e daí em diante. Então, no “Um Amor, Um Café & Nova York 3”, a história deles continua. Já no “1+1”, é o tema central. E não pretendo parar por aí!
Vinícius: De maneira mais evidente, sim. “O Garoto Quase Atropelado”, outra obra minha, chegou a abordar esse assunto, mas de maneia mais sutil e com outra perspectiva. Nele, o protagonista tem depressão, não é LGBTTI, mas há outros personagens na história que são tem certa influência sobre a trajetória dele. Já no “1+1”, a temática se transformou, naturalmente, no tema principal. Acho que a diferença básica entre os dois livros é que o primeiro envolve questões mais profundas, uma visão mais pesada do assunto; enquanto que, no segundo, eu quis trazer o assunto à tona, mas com uma pegada mais leve.
Uma Pá: Enquanto jovens, que dificuldades vocês enfrentaram para publicar suas produções? No caso do "1+1", a temática LGBTTI ampliou esse desafio?
Augusto: Acho que a principal dificuldade para publicar foi ser “desconhecido”. Com essa leva de youtubers e webcelebs lançando livros, é (ainda mais) difícil ser conhecido e uma editora apostar e te lançar, mas eu consegui. No caso do “1+1”, a temática ajudou, pois o mercado estava carente de livros nesse segmento e parecia haver desejo por parte do público, então, acabou sendo ótimo.
Vinícius: O grande desafio foi com a publicação do “Sereia Negra”, meu primeiro livro. Eu escrevo desde 2009 e desde 2010 estava na luta para tentar publicá-lo, algo que aconteceu somente em 2014. Apesar da dificuldade, acho que é um processo compreensível, pois as editoras se preocupam em procurar autores com públicos mais formados. A minha atual editora, por sua vez, já conhece meu estilo, então ficaram muito felizes quando eu apresentei o “1+1”. É um tema que está em alta, mas a obra consegue tratá-lo de forma a fugir do “clichê”, que é a perspectiva dos impactos da LGBTTIfobia. Eu queria abordar o amor entre os dois, a forma mais pura dessa relação.
Uma Pá: Como surgiu a oportunidade de escreverem o livro juntos?
Augusto: A oportunidade surgiu brincando. No início, não pensávamos em publicar, mas só em escrever. Com o tempo, fomos gostando bastante do resultado, foi então que decidimos compartilhar a história com os nossos leitores. Trabalhar com o Vinícius foi muito bom. Acho que aprendemos muito um com o outro e foi um processo muito interessante.
Vinícius: Nós já éramos amigos virtuais, então ele me perguntou se eu gostaria de escrever algo com outra pessoa. Quando começamos a escrever juntos, nem nos conhecíamos pessoalmente, mas conversávamos sobre o livro de forma totalmente despretensiosa, pois era uma atividade prazerosa para ambos. Era mais como um exercício para nós, mas gostamos tanto do resultado que decidi enviar para a minha editora. E eles adoraram!
Uma Pá: Qual foi a inspiração de vocês para criar a história?
Augusto: Não planejamos muito para o “1+1”. O Lucas, que é o meu personagem, apareceu na minha cabeça um dia e eu escrevi o prólogo dele. Daí mandei para o Vinícius e disse para ele pensar num personagem e fazer o prólogo dele, o que ele fez rapidamente. Enquanto íamos escrevendo, tínhamos as ideias para o livro, aí conversávamos um com o outro para saber se era legal de se contar ou não. Na verdade, fluiu bem naturalmente.
Vinícius: Foi ao nosso redor. Tenho muitas leitoras, mas também meninos LGBTTI, que leram “O Garoto Quase Atropelado” e se sentiram homenageados e representados, algo que me emocionou muito. A comunidade LGBTTI ainda é muito marginalizada pela grande mídia, então o livro foi uma forma de reforçar a ideia de que ser gay, por exemplo, não é algo que define uma pessoa por completo. A partir daí, meu próprio público evidenciou uma necessidade de poder contar essa história e fazê-los se sentirem devidamente representados.
Uma Pá: Considerando o que vocês têm visto em termos de repercussão da publicação do “1+1”, como avaliam a visão que as pessoas têm da história?
Augusto: As pessoas que estão lendo estão gostando bastante. Eu fico muito feliz com isso, porque realmente não tinha ideia de como o livro seria recebido. Inclusive, a maioria dos leitores parece estar captando exatamente a essência do que eu e o Vinícius tentamos passar, o que tem sido bem especial.
Vinícius: Estou, particularmente, bastante chocado, pois a repercussão tem sido maravilhosa. O livro tem sido totalmente aceito. A primeira tiragem foi de 5.000 e esgotou muito rápido. Tá todo mundo aceitando e abraçando a história sem resistência, pois todo esse misticismo do relacionamento LGBTTI está ficando de lado e abrindo espaço para a concepção de que o amor é o mesmo para todas as pessoas. É essa a mensagem que o livro quer passar e é exatamente isso o que nossos leitores vêm interpretando.
Uma Pá: Vocês acreditam que a publicação de um livro com essa abordagem revela um amadurecimento e maior aceitação em relação às pessoas LGBTTI?
Augusto: Em partes, sim. Se a editora publicou, é porque viu que há leitores com vontade de ler essa temática. E como nosso livro não foi o único – ainda estão saindo obras com a mesma temática – percebemos que temos mais pessoas (consumidores) desse tipo de produto. Mesmo assim, o livro em si é um “termômetro” muito pequeno para avaliar a sociedade de modo geral. Muitas das pessoas que leem o livro ou estão inseridas no contexto LGBTTI, ou são simpatizantes, mas isso tudo já se mostra um grande passo para uma possível melhoria na aceitação da sociedade. Quanto mais se fala sobre um tema, mais ele pode desconstruir preconceitos e disseminar informação, que também é um dos objetivos do “1+1”.
Vinícius: Com certeza. Uma das mensagens que eu mais recebo é de heterossexuais que nunca pararam pra pensar e refletir sobre isso. Gostar de alguém é algo totalmente normal e é preciso que a produção literária traga essa visão de forma cada vez mais clara e parau m público cada vez mais amplo. Estamos falando de um ser humano que ama alguém do mesmo sexo, uma relação que precisa ser enxergada como ela é: natural. O livro está estimulando a reflexão e conscientização das pessoas em relação a isso.
Uma Pá: Vocês acham que obras do tipo podem contribuir para uma maior sensibilização da sociedade quanto aos desafios enfrentados por pessoas LGBTTI?
Augusto: Com certeza. Como eu disse na resposta anterior, quanto mais se fala, mais se “ouve”. Se espalharmos informação e desconstrução, felizmente, vamos alcançar – e tocar – alguém com o tema. E espero que isso aconteça com muitas pessoas.
Vinícius: O tema é ainda pode ser considerado polêmico, mas é o livro mais leve que eu escrevi na minha vida. É uma história sobre o primeiro amor e acho que mostrar a pureza desse momento da vida é essencial para humanizar os relacionamentos entre todas as pessoas, independentemente de sua condição sexual.

Augusto Alvarenga nasceu no interior de Minas, em João Monlevade, e atualmente mora em Belo Horizonte. É libriano, estudante de cinema, apaixonado por romances e histórias inspiradoras. Viciado em narrativas – escritas, vistas ou contadas, publicou seu primeiro livro, “Um Amor, Um Café & Nova York” em 2014 e o segundo volume no ano seguinte. Seu maior desejo é conseguir tocar, cada dia mais, o coração das pessoas com suas palavras.

Vinícius Grossos nasceu em 1993, no Rio de Janeiro. É taurino, viciado em café e dias nublados. Atualmente mora em Juiz de Fora, onde cursa jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Publicou seu primeiro livro, Sereia Negra, em 2014. No ano seguinte, lançou O Garoto Quase Atropelado pela Faro Editorial, e foi considerado por muitos blogs como o autor revelação do ano.
Augusto e Vinícius se conheceram em 2014 em grupos de atividades editoriais e logo se tornaram amigos. No final de 2015, participaram da antologia ‘Doze por Doze’, com mais 10 autores. 1+1 começou a ser escrito no início de 2015, apenas por diversão, até decidirem compartilhar a história do Lucas e do Bernardo com seus leitores. Saiba mais sobre a história dessa dupla e adquiria já seu exemplar na livraria mais próxima:
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