Tecer o plano
- Uma pá de histórias
- 16 de dez. de 2015
- 15 min de leitura
Capítulo 4
Como dentro de nós, em uma cidade coexistem bondades e perversões, sofrimentos e alegrias, suor e descanso. As pessoas, muito diferentes entre si, mesmo assim compartilham uma simpatia discreta. Existe harmonia em minhas esquinas, onde estabelecimentos visam à satisfação das mais diversas necessidades. Há sempre um certo senso de unidade entre um grupo com a mesma naturalidade. Não é influência minha, isso é uma característica das gentes em um mesmo lugar, não do espaço em si. Mas nada disso atrapalha as oportunidades e a diversidade que em mim habitam e que me definem como Juiz de Fora.
* * *
Falando em oportunidades, fomos visitar o darkroom algumas vezes. Era apenas um espaço vazio, sem mobília nenhuma, com a luz apagada. Qualquer atrativo ficaria por conta de quem fosse usar o quarto. Apesar de diversas pessoas ficarem em pé às voltas do cômodo, ninguém entrou lá, nem mesmo os dois amigos-parceiros-estranhos da sala hétero: confesso que torcemos para eles. A área começou a ficar mais movimentada perto da hora que fomos embora, quase 17h. Alguns homens ficavam lá parados, a uma certa distância uns dos outros. Em um momento, um pouco mais cedo, um homem se masturbava por perto, mas chegou, fez o que tinha que fazer e saiu, sem nenhum alarde.
Provavelmente, no horário do final de expediente, as coisas ficariam mais agitadas. De acordo com uma funcionária, os dias que mais dão movimento são as segundas e sábados.
— Segunda vem muita gente, acho que é porque fica represado.
Não vimos o que esperávamos, talvez pela mente fértil demais, por uma escolha ruim de dias e horários, ou ainda por sermos obviamente estranhos àquele lugar.
O que queríamos era orgia, entrega de corpos, calor humano, nudez, libido. Essas liberdades que o pudor forçado por viver em sociedade nos tolhe. Mas lá o prazer não é tirado da desinibição, da ausência de amarras, mas justamente do caráter antagônico. O prazer vinha de — apesar dos pudores, dos constrangimentos, das pessoas estranhas, da chance de encontrar conhecidos — atingir a satisfação, sozinho, ou não. A tensão que esse ambiente criava era o motivo maior do tesão. Aparentemente, a questão não é criar um espaço com novas regras, novas leis e valores, mas manter as convenções para pervertê-las.
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A perversão de símbolos incrementa qualquer história. Seja dentro da cidade, escondida na urbes, ou mesmo na religião, disfarçada de fé. A mudança repentina do que se costuma ver causa estranhamento, desconforto e, quiçá, espanto. Não que isso seja ruim. Um ritual maldito com cara de catolicismo desperta a curiosidade de qualquer um.
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Claros ou cinzentos, os dias se repetiam em uma linha tênue entre o real e o irreal nos pensamentos do homem. Sua rotina distorcia-se em pesadelos de horror, ecos que ele pouco compreendia e nos olhos mais sombrios. Passaram-se meses e a confusão e o medo eram habitantes cada vez mais frequentes de sua mente. Naquela manhã, ele acordou como de costume no sofá onde dormia, ele remexia-se de um lado para o outro naquele sono inquietante na desesperada tentativa de adormecer. Ouvia vozes conhecidas que lhe chamaram a atenção. Observou por uma pequena fresta a cozinha, onde a mãe e Maria Madalena conversavam. A jovem prostituta já tinha a barriga inchada com os meses da gravidez, carregava no ventre um filho que o homem sabia não ser dele.
— Isso aqui é pra você vestir nele, quando você parir esse bezerro — falou a velha, erguendo um macacão vermelho para que Maria Madalena pudesse ver.
— Jura? Que lindo! Não precisava ter se preocupado — respondeu Maria Madalena.
— É bonito, né?
— Será que vai nascer desse tamanho? — perguntou Maria Madalena ao olhar para o macacão vermelho.
— Não sei, quem sabe? Porque quando ele nascer tem que tá tudo bonitinho, tudo arrumadinho.
— A senhora pode ter certeza que vai estar, sim.
— Porque se for depender do inútil do seu irmão... — resmungou a velha. — Aliás, eu nem sei como ele conseguiu fazer esse filho em você!
O homem escutava cada palavra em silêncio e via as duas mulheres pela fresta da porta, sem que elas percebessem a presença dele no ambiente. Quando a costumeira amargura da velha se voltou contra ele, o homem abriu a porta e decidiu intervir. Os ecos estavam em sua cabeça e também em seus ouvidos. E a criatura o observava como sempre fazia, mas agora como um espelho do que ele havia se tornado. A realidade então se esvaiu em meio ao sangue, as vísceras, as carnes podres e em um feto numa panela. E ele estava no meio de todo aquele cenário de horror, ensanguentado, assustado e ao mesmo tempo sentindo queimar dentro de si o furor da vingança.
Ele se sentou à mesa para a última ceia. As duas mulheres o acompanhavam, cada qual de um lado, jaziam, imóveis, ensanguentadas, os olhos fechados para sempre e o pescoço dilacerado. O homem estava sério, em silêncio, e olhava para a panela a sua frente. Ele voltou o olhar para o corpo da mãe.
— Silêncio! — gritou ele. — Cala essa boca!
Então ele voltou o olhar para o corpo de Maria Madalena.
— Meu amor, você já jantou?
Com um gesto ele se dirigiu à velha mãe novamente.
— Não, não, não! Vamos rezar antes, a gente reza antes!
A doçura e o sorriso voltaram ao seu rosto quando ele olhou para Maria Madalena.
— Quer comidinha, meu amor? Vai querer comidinha? Não quer? Mas está tão gostosa!
Sem receber uma resposta, ele se ergueu até a panela diante de si e com uma colher pegou os restos de carne e água da sopa. Então, com um gesto, tentou colocar uma generosa colherada na boca de Maria Madalena. A carne e a sopa escorreram pelo pescoço da mulher morta. O homem comeu uma colherada e novamente ficou em silêncio por alguns segundos. Ainda com a voz e o sorriso suaves, ele destinou suas próximas palavras à velha mãe.

(Foto: Divulgação)
— Mamãe, eu trouxe a comidinha da senhora. Mamãezinha, mamãezinha, eu vou trazer a comidinha da senhora todo dia.
Ele se levantou com a colher cheia de sopa na mão e, como com a prostituta, o homem também tentou colocar os restos da carne na boca da mãe. E deu um beijo no rosto da velha. Ele sentou-se novamente na mesa e comeu mais uma colherada do jantar e então bateu a mão na mesa numa tentativa de impor respeito.
— Silêncio! Eu que vou falar agora! Silêncio! Eu que vou falar agora! — Ele tomou mais uma colherada da sopa. — Eu que vou falar! — E mais uma colherada. — Vamos rezar, vamos rezar. Ninguém come antes de rezar!
E ele estava sozinho, perdido em suas próprias loucuras. Impunha suas ordens onde havia apenas o silêncio sepulcral das duas mulheres, das velas sempre acesas em nome dos santos e do quadro de Jesus, tal que na quietude sempre observava o ambiente. O homem juntou as mãos, como a mãe costumava fazer, em um gesto de oração. A criatura ensanguentada ainda o perscrutava com olhos de abismos. Era o homem de máscara de porco, que grunhia ao fazer o sinal da cruz.
* * *
O medo é uma força motriz poderosa a ponto de afetar os pensamentos de uma pessoa. Apesar da fama de pacata, em minhas vias habita esse sentimento. Um olhar estranho na madrugada, uma abordagem abrupta ou uma situação inesperada podem despertá-lo. No entanto, problemas sociais não são a única fonte dessa sensação, e nem a mais abrangente. Mas se tem uma coisa da qual ninguém escapa é do tempo, trazendo, com ele, o receio do envelhecimento.
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Eu (não) cresci
Manhêeeeeee! Assustado contei a ela que já não me lembrava mais de tudo como antes. Carinhosa como sempre, ela se sentou na escada e me deitou em seu colo. Ela disse coisas sobre a vida e as mudanças que a acompanham em cada fase. Descobri que viriam as espinhas, os dilemas e as responsabilidades. Tive medo, mas ela me disse que todos nós passamos ou iremos passar por isso. É normal e um pouco incômodo no início. Como temer algo que minha mãe acha normal? Ela sempre tem razão.

(Foto: Leiliane Germano)
Cheguei aqui com a bagagem pesada, cansado e apegado a tudo o que eu não queria deixar na velha casa. Agora, me vejo aqui sentado na janela olhando para a rua vazia parecida com a minha mala. Onde foram parar meus nove anos? O primeiro dente de leite e a primeira nota dez? Talvez seja assim quando sentimos o peso do tempo em nossas costas. Talvez isso seja crescer. Não culpo o Nham-Nham por sumir com minhas memórias, culpo o tempo por ser ingrato e não pedir minha opinião. Crescer dói e deixa um frio na barriga incontrolável.
Não quero envelhecer, porque deveria? Quando crescer quero ser criança. Brincar de roda, me pendurar em árvores e jogar pelada depois da escola. A cama ainda será um enorme pula-pula e a vassoura da mamãe minha espada de capitão. Não quero lembranças ruins, essas ainda deixarei o Nham-Nham comer. Remoer momentos difíceis faz desbotar os dias.
Quero apenas dias azuis, ralar os joelhos e nadar no rio. Quando houver sol, tomar sorvete depois do almoço, comer pipoca durante o filme e mascar chiclete na hora do recreio. Não me importam as futuras rugas, muito menos as responsabilidades. Farei de todas grandes lições. E da vida uma aventura contínua. Só rezo a Deus todos os dias, para que o tempo jamais me tire o sorriso leve, o olhar inocente e a poesia.
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Realmente, crescer tem suas desvantagens. As responsabilidades aumentam, o tempo encurta e muitas pequenas alegrias podem ser deixadas para trás. Mas ficar velho também não traz apenas uma carga negativa. Você acumula conhecimento, aprimora técnicas para fazer seja lá o que for e se torna mais esperto para o que acontece ao redor. São dois tipos diferentes de pessoas — a criança e o adulto — mesmo sendo a mesma vida. Enquanto o primeiro tem, principalmente, um futuro com que fantasiar, o segundo tem suas memórias que o sustentam em sua jornada.
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No set de gravações não há espaço para erros, por isso, a esperteza do ator precisa entrar em cena. — Chorar é muito difícil. Há alguns anos eu fiz outro curta, ‘A Demolição’, de Aleques Eiterer, com preparação de elenco de Joana Lebreiro, e me lembro de que tinha uma cena em que eu precisava chorar. Como eu tinha tempo, decidi andar pelo set e acabei encontrando elementos de cenografia que me trouxeram lembranças. Me concentrei neles e comecei a chorar — recorda Márcia Falabella.
Trabalhar ao lado de Laura Cardoso foi outra experiência mencionada por Márcia, que aprendeu junto à atriz a aproveitar elementos do set para se envolver ainda mais com o personagem.
Ela, que também é atriz de teatro, diz que o segredo para não errar ao atuar em cinema é fazer o mínimo de gestos possíveis. — Quando eu faço cinema eu sempre penso: o menos é mais. O teatro te dá um condicionamento para decorar o texto, um maior jogo de cintura, no entanto, no palco tudo é muito over.
Márcia acredita que apesar de toda a preparação, é o ator que se dirige. —Ele é o diretor dele mesmo. Claro que ter alguém com quem dialogar, ou uma pessoa que esteja vendo o trabalho para poder te dar dicas, é sempre legal. E finaliza: — A minha função como atriz é facilitar o trabalho da equipe.
(Vídeo: Caio Assis)
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O espírito de equipe começa no sentimento de solidariedade, tentar tirar um pouco do peso das costas do outro. Não é um valor tão abundante, mas, quando ele existe, as coisas fluem e os erros são mais escassos. Afinal, no teatro ou no cinema, na hora da performance ou da preparação, não há muito espaço para deslizes.
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Depois de algum tempo de viagem, chegamos a uma entrada afastada da cidade, que serviria como cenário do quarto dia de gravações. O caminho sem asfalto nos levou até uma igreja que atendia a uma pequena comunidade situada na região. O espaço era simples, mas de uma beleza daquelas esquecidas pelo mundo. As fileiras de bancos começaram de imediato a serem afastadas pela equipe para dar espaço ao cenário. Dezenas de velas foram colocadas no altar, enquanto alguns profissionais começavam a montar os geradores elétricos.
De acordo com o cronograma, o dia todo seria necessário para gravar algumas cenas, que equivaleriam a um pequeno corte do produto final. Dessa forma, a iluminação do ambiente foi uma grande preocupação da equipe, já que ela não poderia se alterar conforme o sol fosse se extinguindo. Então, uma luz foi usada na janela para representar o sol — garantindo poucas mudanças de cor com o passar do tempo.
Por esse e outros motivos, o quarto dia de gravações se revelou o mais desafiador de todos os que participamos. Ao gravar uma cena, você tem que estar preparado para uma infinidade de situações que afetam as filmagens: desde a própria vida pessoal da equipe, que influencia em sua atuação, até problemas relacionados a equipamentos. Nesse dia, a corda do gerador que fornecia energia para ligar a luz da janela arrebentou. Por ser um lugar remoto, esse problema poderia causar o adiamento e consequente atraso dos prazos de gravação. Foi aí que percebemos o quanto produtores bons têm um papel primordial para o funcionamento das filmagens: eles pensam em absolutamente tudo que pode dar errado e resolvem de maneira eficiente e calma os percalços que surgem. Por incrível que pareça, a Carol e a Lílian, dentre todas as coisas enchendo a parte de trás do carro, tinham trazido uma corda — sim, uma corda! — que pôde ser usada para contornar essa situação, permitindo a continuação das gravações.
Muitas vezes, também é preciso contar com a sorte. Imprevistos alheios às ambições do diretor podem acontecer, como as vontades soberanas do tempo — e dos pintinhos. A gravação de áudio do dia foi, muitas vezes, prejudicada pelos pios incessantes.

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Mas, ao final, a sensação de dever cumprido, compartilhada por todos que estavam no set, prevalece, porque foi atingido o objetivo de passar a história, a mensagem do universo imaginário para a realidade. O projetor serve para mostrar aquilo que você tem de mais íntimo. O olho é apenas a lente.
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(Foto: Caroline Marino)
“Cicatrizar a ferida
E transformá-la em perdão
Também faz parte da vida
Encontrar a solidão.”
Recorri aos santos, roguei por ajuda. Nem me lembro do dia ao certo, mas uma manhã acordei e comecei a olhar para dentro, a entender meus sentimentos e a deixar ir embora a dor. Aceitar que também faz parte da vida cicatrizar a ferida é um processo longo. Descobri que leva tempo para atravessar a ponte e deixar o rio correr e levar consigo o que não me pertence mais. Transformar todo esse sentimento é complexo, mas não impossível.
Envolvi-me de cabeça no processo de criação do “Fossa”. Havia escrito o roteiro, depois, com a ajuda de um amigo, fiz todo o figurino, atuei, e participei da escolha dos cenários e até da montagem do curta. Acredito que foi o trabalho mais completo da minha carreira.
Impressionante como durante a produção do filme criamos uma amizade com aqueles que, até pouco tempo, eram desconhecidos. A arte tem esse poder de unir as pessoas, ela é a única linguagem capaz de conectar as almas. Nosso objetivo não era lucro, nos guiamos pela paixão por fazer arte.
O filme, certamente, foi a etapa final deste momento em que eu me encontrava. Criar uma obra a respeito de um período tão difícil foi digeri-lo. O Fossa era eu e o sentimento dele, o meu. Abrir minha história e me abrir para tantos outros é aceitar que esse momento faz parte de mim. Hoje sou assim, porque aquilo aconteceu. Acho que todo mundo tinha que passar por alguma fase da fossa, é muito humano. É se autoconhecer. É olhar pra dentro e encontrar o amor que estava escondido, o amor próprio.
Quem acompanhou de perto meu sofrimento, já sabia da minha ideia de produzir um filme. E todos me apoiaram. A produção levou em torno de três meses. O objetivo era terminar a tempo de enviar para o Festival de Cinema Primeiro Plano. E tudo correu bem. O filme foi aceito e exibido em uma tarde chuvosa no final de outubro.
Eu já havia mostrado pequenos cortes para uns amigos, mas estava apreensivo antes de a sessão começar. Fiquei com medo de não ir muita gente. Fazer uma coisa e não ter quem veja é muito frustrante. Mas estava completamente equivocado. A sala ficou lotada.
Sentei bem no meio do cinema. Quando vi as formas do meu filme inundando a tela branca do Cinearte Palace, meus olhos vidraram. Não importa se eu já havia visto mais de dez mil vezes os mesmos frames, a emoção era inexplicável. Quando Fossa terminou, os aplausos tomaram conta do cinema e a Sala 1 ficou pequena pra tanta emoção. Não contive as lágrimas.
“O corpo produz o que a mente conduz e é preciso equilíbrio, aprender a suportar as aflições, evitando o lamento. O sofrimento é inevitável.”
— Trecho da trilha sonora do filme “Fossa”, por Me Gusta Xagusta.
(Vídeo: Leiliane Germano)
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Reconhecer-se em uma projeção deve mesmo ser emocionante, independentemente de sua imagem estar na obra. Só de identificar seu trabalho já brota um sentimento de orgulho. Mas as lágrimas da cena não são as mesmas das do lado cá da tela. As da ficção podem ter uma origem mais dramática, mas são também suor, esforço e competência do ator. Aquelas do espectador de si são trazidas aos olhos após sensação de dever cumprido. A semelhança é que todas elas enriquecem nossa história.
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Para essa grande artista dos palcos, representar não é apenas decorar um texto. O ato de repetir falas não é necessariamente arte, pois não revela interpretação, "apenas vomita o texto", constata. O ator deve batalhar e estudar. Seu grande laboratório são as ruas, é pra lá que os olhos mais treinados se direcionam. A preparação de personagem para Sandra é igual ao processo de cozimento, ou seja, vai maturando, fervendo, colocando água morna, crescendo até explodir.
A sensação de se ver no cinema foi única. Ela tremia e não conseguia se enxergar nas telonas. A artista começou sua carreira em 1971 e, de lá pra cá, foram mais de 30 peças. Desde 2004, quando estreou no cinema, ela atuou em 21 curtas. Ao pensar nesses 44 anos de profissão, um filme passa pela cabeça de Sandra: na infância, pendurava lençóis em cordas perto de sua cama e cobrava alguns centavos para que os amigos tivessem o prazer de vê-la dar os seus primeiros passos nos palcos. Também recebia de seu pai textos de teatro para que pudesse se divertir, imaginando cenários, roupas e situações. Até os dias de hoje a criação segue como uma aventura.
— Eu vejo um filme lindo, maravilhoso, me sinto muito bem ao saber que meu trabalho foi reconhecido — finaliza.
E assim sua vida segue, como em um roteiro de filme ou peça: leve, espontânea e, acima de tudo, imprevisível. São muitas histórias e acontecimentos para contar, mas o destino tratou de pregar mais uma de suas peças na trajetória de Sandra, o seu primeiro curta de terror, "Cabrito", traz uma história soturna, misteriosa, de conteúdo psicológico pesado e que envolve personagens carregados de mistério.
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Trabalhar com o algo de que se gosta é quase um privilégio. Conseguir se deslumbrar com a atividade cotidiana é exercício que pratico. As vidas se tornam mais proveitosas quando esse brilho as permeia, quando o amor à mesma coisa te estimula diariamente.
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Desde criança os filmes já encantavam Marília. Aos 12 anos, a menina de Poços de Caldas, que crescia assistindo as obras americanas, foi apresentada ao cinema europeu. Ali começaria uma nova forma de ver e pensar a paixão que de hobby se tornaria profissão. Seja em locadoras ou pegando fitas emprestadas, Marília Lima se apaixonava por uma vertente até então desconhecida no mundo da sétima arte. O contato foi grande e muito importante, mas a cidade do Sul de Minas já não oferecia tudo que Marília queria. Cursar Comunicação Social em Juiz de Fora alavancou o contato com o cinema, principalmente com as produções independentes.
Desde início do curso, o envolvimento com o cinema foi inevitável. Marília começava a tecer seu caminho em meio a câmeras e fitas. Pesquisas sobre cinema e a interação com grupos de cineclubes na Universidade faziam da sétima arte, o futuro de Marília. Pequenas produções, vídeos caseiros e amadores já mexiam com a imaginação da adolescente. Marília já começava a caminhar pelos trilhos que sempre quis.
Passeando por Juiz de Fora, e ainda sem conhecer ao certo do que se tratava, "que tal ir nesse Festival?", perguntou-se. Marília conhecia o Primeiro Plano, ainda como espectadora, mas já se apaixonava por um projeto audacioso, que trazia pessoas já conhecidas no meio.
—Desde o começo eu acho essa ideia do Primeiro Plano incrível. Um espaço para todos que querem se envolver. O Primeiro Plano é o primeiro contato entre diretores de primeira viagem, o único espaço onde seu primeiro trabalho tem grandes chances de ser exibido — diz Marília, com empolgação. Através de contatos com integrantes e professores, a jovem que sonhava em viver de cinema, agora, entrava para o festival.
Interessada no realismo cinematográfico, Marília se mudou para trabalhar no Rio de Janeiro e, junto com Aleques Eiterer, produz em 2015 seu primeiro curta. Um documentário que conta a história de três velhinhos moradores de um hotel no Sul de Minas e que deve ter a produção finalizada ainda neste ano. Hoje na função de produtora executiva do Primeiro Plano, Marília Lima comenta sobre a dificuldade de se produzir de maneira independente, principalmente em meio à crise:
— Sempre tivemos apoio da Prefeitura, mas quando encerramos uma edição, não temos a certeza da próxima. Corremos atrás de apoio, patrocínio e principalmente locais para exibição. Sempre contamos com o Palace, que não nos dá a certeza ano a ano.
Mesmo assim, Marília e toda equipe do Primeiro Plano ressaltam que o projeto tem que continuar: — Mesmo com esforços, contendo gastos e diminuindo as datas, o Primeiro Plano vai continuar em 2016 e esperamos que nos próximos anos também. Ele é fundamental para todos que gostam do cinema na cidade.
(Vídeo: Ramon Souza)
Marília Lima nasceu em Poços de Caldas e se formou em Comunicação Social na Universidade Federal de Juiz Fora. Trabalhou no Rio de Janeiro e em 2015 retorna à cidade para um novo desafio, do qual trata com muita animação.
— Estou de volta a Juiz de Fora porque fui aprovada para lecionar na Faculdade de Artes e Design da UFJF. Vou dar aula de cinema. Minha diversão virou profissão e agora vou passar para outras pessoas.
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Sendo palco de tanta coisa, é fácil perceber que as subjetividades individualizam os percursos, mas, no final das contas, eles são semelhantes. Com o tempo, vejo que os seres humanos se repetem mais do que imaginam sobre este chão.
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