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A várias mãos

  • Jéssyka Prata e Caio Assis
  • 18 de dez. de 2015
  • 4 min de leitura

Ao fim da entrevista, depois de meia hora de conversa, Marcinha estava no chão, ajoelhada. Aquela não era mais a professora Márcia Falabella, era uma criança de 10 anos. Ou melhor, Marcinha era, a partir daquele momento, uma das muitas personagens vividas nas suas três décadas de carreira. Dois minutos antes, era Cida e estava ao telefone procurando por Nilda. “Saiu? Mas como saiu? Ela nem me falou nada.”

A naturalidade com que uma atriz se transforma em um personagem, como ela fez, impressiona. Costumamos atribuir isso ao dom ou talento do artista, mas, nessa conta, entra também um trabalho muito bem feito, que vai desde a escolha do sapato — podendo dar mais ou menos mobilidade ao ator — aos elementos dispostos no figurino e no cenário — que possibilitam uma maior interação entre personagem e ambiente.

Um de seus trabalhos cinematográficos foi no curta Jonathan, de Mariana Musse, que estreou no CineArte Palace em 2015, local onde aconteceu a última edição do Festival Primeiro Plano. O curta é baseado no poema “A criatura”, de Adélia Prado, e conta a história de Lara, personagem principal interpretada por Marcinha.

Por se tratar de um poema de Adélia Prado, explica a atriz, era esperado um texto narrativo. Mas não. O filme é praticamente um monólogo em que Lara divide a cena com um pintinho. “Tem outros personagens também. Tem lá a figura da amiga dela, tem a figura do porteiro, mas fundamentalmente é ela e um pintinho. E tem outra coisa também: eu tenho fobia de bicho."

Para uma profissional viver de fato um personagem, o trabalho vai além da caracterização. Enquanto a atriz Márcia Falabella tem fobia de bicho, a mulher vivida por ela não. E interpretá-la faz parte do seu ofício.

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A construção do personagem precede o trabalho do ator. Ela é idealizada desde a direção e, por exemplo, na escolha da paleta de cores das roupas que serão usadas pelos personagens.

Para Márcia, esse planejamento acrescenta no resultado do filme. “Isso é legal porque dá harmonia estética para a obra.” Quando o diretor também é o roteirista, a construção fica ainda mais clara. Há, no entanto, detalhes que podem fugir do planejado.

No caso da personagem Lara, não havia como prever que a atriz tivesse medo do seu principal parceiro de gravação. Por isso, é importante que o elenco tenha acesso ao roteiro, para que não se envolva em um trabalho que não esteja a fim de fazer.

Muitas vezes, ocorre de o ator ter sincronia com as ideias do diretor e do roteirista, mas Márcia deixa claro que é interessante que ele também acrescente características ao personagem e, para isso, é feita a preparação do elenco. No entanto, ela lembra que, apesar de toda programação, é inevitável que situações inesperadas ocorram no dia da gravação.

“Por mais que você encontre com o diretor, com o elenco, faça um exercício de improvisação em cima do texto, no dia da filmagem é diferente. Nele, o diretor sempre altera muitas coisas e não resta tempo de ficar pensando o que é melhor ou não ser feito”, disse Márcia.

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O início da construção do personagem pelo diretor é fundamental para o desenvolvimento do ator. No caso do curta Jonathan, a atriz experimentou antecipadamente o figurino que tinha relação com o personagem, parte da maquiagem e do cabelo. "A Lara é uma personagem muito diferente de mim, e essa caracterização ajuda muito a gente que é ator a achar um caminho.”

O ator, no entanto, não desenvolve apenas depois da escolha do figurino, mas este entra como elemento na composição, ajuda a dar o clima. “Você tem uma ideia, mas, no momento em que está com aquela roupa, começa a entrar mais no clima das coisas”, conta a atriz, exemplificando com uma personagem de 70 anos que teve que interpretar quando tinha 35. O agasalho, a blusinha por baixo, a saia, os óculos e o sapatinho (de vovó) influenciaram. Desde a forma de caminhar até os gestos, o ator interage e dialoga com o figurino, seja mexendo na roupa ou ajeitando os óculos.

Além desses aspectos que compõem o figurino do personagem, Marcinha também destaca a preparação do elenco, que nem sempre faz parte do trabalho, mas é de extrema importância. Cada filme é um trabalho diferente. Dependendo do tema, a equipe desenvolve alguns laboratórios, dinâmicas, lê os textos, aprimora a fala do personagem. “Dois, três, quatro encontros é bom para se conhecer melhor, você facilita para que as coisas aconteçam mais corretamente dentro do set de filmagem. Você entra mais seguro no set.”

Para Marcinha, interessa o processo, que é o que diz respeito ao seu trabalho. “É a conversa em cima do roteiro, é a discussão e fala, de construção, no set... O filme pronto, eu não gosto nem de ver.”

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No set de gravações não há espaço para erros, por isso, a esperteza do ator precisa entrar em cena. — Chorar é muito difícil. Há alguns anos eu fiz outro curta, ‘A Demolição’, de Aleques Eiterer, com preparação de elenco de Joana Lebreiro, e me lembro de que tinha uma cena em que eu precisava chorar. Como eu tinha tempo, decidi andar pelo set e acabei encontrando elementos de cenografia que me trouxeram lembranças. Me concentrei neles e comecei a chorar — recorda Márcia Falabella.

Trabalhar ao lado de Laura Cardoso foi outra experiência mencionada por Márcia, que aprendeu junto à atriz a aproveitar elementos do set para se envolver ainda mais com o personagem.

Ela, que também é atriz de teatro, diz que o segredo para não errar ao atuar em cinema é fazer o mínimo de gestos possíveis. — Quando eu faço cinema eu sempre penso: o menos é mais. O teatro te dá um condicionamento para decorar o texto, um maior jogo de cintura, no entanto, no palco tudo é muito over.

Márcia acredita que apesar de toda a preparação, é o ator que se dirige. —Ele é o diretor dele mesmo. Claro que ter alguém com quem dialogar, ou uma pessoa que esteja vendo o trabalho para poder te dar dicas, é sempre legal. E finaliza: — A minha função como atriz é facilitar o trabalho da equipe.

 
 
 

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