Luz, câmera, ação!
- Thiago da Silva Camilo e Ramon Souza
- 18 de dez. de 2015
- 9 min de leitura
Muitos caminhos levam ao encontro. De alguma forma, as mentes se conectam quando os objetivos tornam-se paralelos. Quando os fins procuram meios pelos quais possa se expressar, as ondas acabam por moldar as pedras. Essa é a história de um sonhador entre tantos outros: Aleques Eiterer, cineasta, nascido em 22 de março de 1972.
Imaginem a cena. Um garoto sentado em frente à TV assistindo a quatro caras malucos fazendo a maior lambança em situações inusitadas. O riso corria solto e não era pra menos. No final da década de 1970 até meados dos anos 1990, era bem comum ficar com a barriga doendo de tanto rir dos Trapalhões. Também era pouco provável ficar indiferente diante do grande número de produções hollywoodianas. Aleques rememora este frame essencial para continuarmos colando as fotografias até que a obra fique completa.
No período da adolescência, ainda morando em Juiz de Fora, foi apresentado ao cinema de Fassbinder (1945-1982). Um cinema diferente e instigante, embora o interesse pela sétima arte ainda não fosse tão latente. A ideia de criar continuaria encubada. Eiterer continuou vivendo como qualquer garoto de sua idade. O tempo passou e, aos 20 anos, pegou a estrada e foi trabalhar em Três Corações, cidade ao Sul de Minas Gerais.
Àquela altura, a vontade de compreender o cinema foi ganhando espaço. Aleques começou a pesquisar como poderia entrar de cabeça nesse mundo. Prestou vestibular para o curso de Cinema na UFF - Universidade Federal Fluminense e assim começou sua experiência profissional no campo da sétima arte. Envolvimento que resiste até os dias de hoje.

(Araca: Novo curta de Aleques Eiterer e Equipe)
Corria o ano de 1995. Nascia o Festival Brasileiro de Cinema Universitário da UFF. A maratona de curtas era intensa. Aleques acompanhava o maior número possível de filmes e consequentemente passou a ajudar na produção do festival. Basicamente todo o trabalho ficava a cargo de alunos e funcionários da universidade.
O cineasta nos conta que seu envolvimento com a arte surgiu diante do que lhe provocava a atenção e da vontade de dividir com outras pessoas. Dirigindo sete produções nesta forma de enquadramento, duas delas baseadas em parte da obra do escritor mineiro Luiz Ruffato. Sua mais recente criação é o documentário Araca – sobre a sambista Aracy de Almeida. Aleques acredita que o projeto da “Fluminense” pode ser considerado o pai das experiências encenadas em outra grande iniciativa – o Festival Primeiro Plano. Os cinéfilos de Juiz de Fora a partir daquele instante estariam com a faca e o queijo nas mãos!
No retorno à terra natal, Aleques uniu-se a um grupo de amantes do cinema, o “Luzes da Cidade”. Dos diálogos e da escassez de produções alternativas por aqui, surgiu a questão: - Por que não criar um festival na cidade? E assim foi feito.
O ano de 2002 foi, de certa forma, o começo de uma odisseia por espaços ainda pouco ou nunca explorados. As pessoas foram chegando e a forma gregária começou a delinear a silhueta do festival. As cabeças maquinavam as possibilidades de se trabalhar o projeto em meio às dificuldades que surgiam. “Aprendemos na marra” – recorda o cineasta.

(“Um Pouco a Mais” por Diogo Lisboa)
O Primeiro Plano foi pensado como um espaço de discussão cinematográfica e não apenas um evento de exibição. A possibilidade de trocar ideias sobre o processo, estimulando a produção local e ainda alcançar públicos até então alheios, tornou-se a força motora do que podemos assistir atualmente. O cineasta faz um comparativo:
- “No início eram apenas quatro produções locais, hoje, chegamos à casa de 50 filmes inscritos. Isso é bem legal! Quanto mais gente melhor! E ver que essa produção vem crescendo não só em quantidade, mas em qualidade é muito importante.”
Muitos desses filmes, entre curtas e longa metragens, estão por aí correndo o mundo, mesmo que as trilhas sejam de difícil acesso. No plano sequência, a organização decidiu olhar o festival com as lentes da inovação. Criou o Incentivo Primeiro Plano. Com o crescente apoio de patrocinadores, novos cineastas poderiam tirar das gavetas todas as cenas imaginadas e jogar luz sobre as histórias. Essa abertura tornou mais acessível fazer cinema em Juiz de Fora. Mais do que isso, tornou-se urgente.
Entre 2005 e 2008, o poder público tendia a ser mais presente nas causas culturais. A iniciativa privada também contribuía de forma mais efetiva. Em 2015, já na sua 13ª edição, o festival segue firme, contando com o apoio do poder público, mas Aleques afirma que, para a manutenção do projeto, será preciso que o abraço seja mais forte. Como agravante, surge o possível fechamento do Cine Arte Palace, último cinema de rua da cidade, mas, CORTA! Isso já é assunto para a próxima sessão.
As aventuras de Nilson na Terra dos Frames
Naquele tempo, o acesso a filmes era muito restrito. Sobretudo aos cinemas. As produções pornográficas estavam tomando conta dos espaços. “O que me salvou foi o vídeo cassete. Meus pais não gostavam de cinema, então, eu tive que correr atrás.”
Certo dia, Nilson Alvarenga entrou em uma locadora de vídeo e correu os olhos pelas prateleiras. Estacionou na seção de terror e uma capa lhe chamou a atenção. O nome do diretor era um tanto estranho, Ingmar Bergman, cineasta sueco (1918-2007), mas o título forte soava como algo realmente horripilante – “O ovo da serpente”. Anos depois, ele ainda se surpreende com o fato de encontrá-lo naquela sessão. “Não se trata de um filme propriamente de terror, é mais psicológico.”
Como a maioria, também acompanhava a programação da TV. Certa madrugada, ele e seu irmão começaram a assistir ao filme "2001 – Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick. O irmão dormiu nos dez primeiros minutos. Nilson continuou assistindo mesmo sem entender o significava tudo aquilo. Após essa rápida incursão por alguns clássicos até então desconhecidos, o jovem ficou inquieto diante das cenas a que assistia. Era um sintoma quase imperceptível a lhe acossar os calcanhares. A casca começara a ser rompida. O que sairia de seu interior mudaria sua vida para sempre.
Juiz de Fora – Rio de Janeiro, década de 1990
Nilson começou a cursar comunicação social. Foi nesse momento que nasceu seu interesse por fotografia e produção de vídeos. Fazia parte do PET - Programa de Ensino Tutorial. Seus pais o ajudaram neste período. Não passava grandes apuros quanto a sua manutenção na UFJF. Puxando pela memória afetiva, Nilson reconhece com humor que gastava toda a grana da bolsa com o aluguel de filmes:
“Tenho que admitir que, ao longo dos anos, vi mais filmes do que li livros.”
No entanto, após a formatura, tomou o rumo do litoral. O Rio de Janeiro seria seu próximo destino. Neste período, mudou o objetivo de seus estudos. Entrou no campo da filosofia, apesar de admitir sua preferência pelo audiovisual. A vontade de trabalhar com fotografia e vídeo naquele instante ficou arrefecida. Passou alguns anos em companhia de grandes pensadores, o que de alguma forma deve ter contribuído quando o cinema voltou a ser mais presente em sua vida.
Rio de Janeiro – Juiz de Fora, século XXI
Ao terminar o doutorado no Rio de Janeiro, Nilson retornou para a serra com a mosca do cinema zumbindo mais uma vez em seus ouvidos. Conheceu o Grupo de Cinéfilos e Produtores Culturais “Luzes da Cidade”. Sua participação consistia em assistir aos filmes inscritos no Festival Primeiro Plano, já em sua segunda edição. A vontade de fazer cinema começava novamente a apontar o norte.
Ele propôs aos amigos e, a partir daí, sua relação com o meio cinematográfico mudou de espectador a membro do núcleo realizador. Num primeiro momento, foi convidado a participar do júri e, em 2004, passou a trabalhar na coordenação de mídia do festival.
Dias de Luta
O ano de 2006 foi o auge de incentivo ao festival, o que permitiu a expansão das atividades. A união entre empresas públicas e privadas consolidou naquele instante a força do Primeiro Plano. A partir disso, chegaram ao formato ideal, com diversas oficinas e sessões diárias quase ininterruptas.
“Havia mostras paralelas em duas grandes salas da cidade. O mesmo filme que passava em um era exibido no dia seguinte na próxima sala. Foi o ano de maior mobilização do festival”, aponta Nilson.
Logo após, veio a época das vacas magras. A possibilidade de não realizar o Primeiro Plano era iminente. “Vivemos momentos complicados, eu me lembro que, em 2003, o festival foi realizado de forma bem reduzida. Os anos que se seguiram ao de 2006 foram bem difíceis. Seguimos na base da raça para conseguir dar sequência ao projeto.”
No ano passado (2014), o Festival sentiu o peso da crise econômica. Os realizadores tiveram que lidar com a queda e a perda de importantes parceiros. O trabalho foi feito praticamente sem retorno financeiro, o que atrapalhou o cronograma do evento.
“Nesta última edição conseguimos acertar um pouco as contas e realizamos o Primeiro Plano dentro do estipulado.”
Encontros e refazendas
Se olharmos o festival em suas entranhas, é fácil perceber que um mais um somam bem mais que dois. Nilson, que além de cineasta é professor universitário, passou o bastão da coordenadoria de mídia para sua antiga aluna de mestrado, Marília Lima. Atualmente, ele é o responsável pelas oficinas realizadas durante o Primeiro Plano.
Ao longo dos anos, o trabalho com Aleques Eiterer tem sido constante. Na edição de 2015, o professor atuou na montagem do curta “Um Pouco a Mais”. O filme retrata o encontro de dois amigos que há muito não se viam e os problemas que emergiram desse reencontro. Coincidência ou não, os dois amigos se distanciaram por questões do dia a dia, mas as mudanças não interromperam a parceria.
“Aleques sempre me convida para trabalhar em seus filmes. Já trabalhei em quatro montagens e mais recentemente dei uma força no curta documentário sobre Aracy de Almeida, 'Araca - O Samba em Pessoa'. O fundamental para Nilson é trabalhar ao mesmo tempo a teoria e a prática, o que acaba por refletir em sua atuação docente. “A possibilidade de levar o conhecimento cinematográfico aos alunos e, mais do que isso, mostrar que é possível fazer cinema na tangente das produções multimilionárias e com qualidade é impagável.”
No momento, Nilson está trabalhando na montagem do filme “Minas Hotel” – dirigido por Marília Lima, presença feminina marcante na produção cinematográfica juiz-forana. Mas esta já é uma outra história…
A parte da Marília acho que tb pode entrar inteira com o vídeo. o texto é de autoria do Ramon.
A menina e o sonho
Desde criança, os filmes já encantavam Marília. Aos 12 anos, a menina de Poços de Caldas, que crescia assistindo às obras americanas, foi apresentada ao cinema europeu. Ali começaria uma nova forma de ver e pensar a paixão que de hobby se tornaria profissão. Seja em locadoras ou pegando fitas emprestadas, Marília Lima se apaixonava por uma vertente até então desconhecida no mundo da sétima arte. O contato foi grande e muito importante, mas a cidade do Sul de Minas já não oferecia tudo que Marília queria. Cursar Comunicação Social na UFJF alavancou o contato com o cinema, principalmente com as produções independentes.
Desde o início do curso, o envolvimento com o cinema foi inevitável. Marília começava a tecer seu caminho em meio a câmeras e fitas. Pesquisas sobre cinema e a interação com grupos de cineclubes na universidade faziam da sétima arte o futuro de Marília. Pequenas produções, vídeos caseiros e amadores já mexiam com a imaginação da adolescente. Marília já começava a caminhar pelos trilhos que sempre quis.
Passeando por Juiz de Fora e ainda sem conhecer ao certo do que se tratava, "que tal ir nesse Festival?", perguntou-se. Marília conhecia o Primeiro Plano, ainda como espectadora, mas já se apaixonava por um projeto audacioso, que trazia pessoas já conhecidas no meio. "Desde o começo eu acho essa ideia do Primeiro Plano incrível. Um espaço para todos que querem se envolver. O Primeiro Plano é o primeiro contato entre diretores de primeira viagem, o único espaço onde seu primeiro trabalho tem grandes chances de ser exibido", diz Marília com empolgação. Através de contatos com integrantes e professores, a jovem que sonhava em viver de cinema entrava assim para o festival.
Interessada no realismo cinematográfico, Marília mudou-se para trabalhar no Rio de Janeiro e, junto com Aleques Eiterer, produz em 2015 seu primeiro curta. Um documentário que conta a história de três velhinhos moradores de um hotel no Sul de Minas e que deve ter a produção finalizada ainda este ano. Hoje na função de produtora executiva do Primeiro Plano, Marília comenta sobre a dificuldade de se produzir de maneira independente, principalmente em meio à crise:
“Sempre tivemos apoio da Prefeitura, mas quando encerramos uma edição, não temos a certeza da próxima. Corremos atrás de apoio, patrocínio e principalmente locais para exibição. Sempre contamos com o Palace, que não nos dá certeza ano a ano.”
Mesmo assim, Marília e toda equipe do Primeiro Plano ressaltam que o projeto tem que continuar: “Mesmo com esforços, contendo gastos e diminuindo as datas, o Primeiro Plano vai continuar em 2016 e esperamos que nos próximos anos também. Ele é fundamental para todos que gostam do cinema na cidade.”
Marília Lima nasceu em Poços de Caldas e se formou em Comunicação Social na Universidade Federal de Juiz Fora.
Trabalhou no Rio de Janeiro e, em 2015, retorna à cidade para um novo desafio, sobre o qual fala com muita animação: “Estou de volta a Juiz de Fora porque fui aprovada para lecionar na Faculdade de Artes e Design da UFJF. Vou dar aula de cinema. Minha diversão virou profissão e agora vou passar para outras pessoas.”
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