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Uma câmera, um pinto e uma poetisa

  • Hugo Queiroz e Laura Santos
  • 18 de dez. de 2015
  • 5 min de leitura

Mesmo quando as cenas parecem improváveis e exageradas, o que está sendo contado nas telas nos convence, leva-nos a crer e a imergir nelas. Talvez por isso e por nunca ter participado dos bastidores, muita gente tenha uma visão idealizada do que é fazer cinema.

Se você acha que pra fazer um filme é só pegar uma câmera, apontar para os atores e pronto, o trabalho já está feito, está muito enganado. Fazer cinema significa ficar horas e horas em pé, repetindo cenas, enquadramentos e falas. Significa preparar o cenário horas antes, porque, até que a luz, a composição e cada mínimo detalhe esteja do jeito imaginado, é uma eternidade.

Constatamos isso, quando fomos convidados pela diretora Mariana Musse para acompanhar e fotografar os bastidores do seu curta “Jonathan”. Nele, Lara é uma escritora que se apega ao passado como forma de lidar com o presente. Ela constrói, junto ao telespectador, suas memórias e sua melancolia.

Foi a primeira vez que nos envolvemos em uma produção cinematográfica profissional. Se houve algo que aprendemos durante esse tempo é que fazer um filme não é glamoroso ou fácil. Cinema é suor.

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Corta! Vamos tentar de novo?

Não sei quantas vezes ouvimos isso durante os vários dias de gravação no mês de dezembro. As horas de trabalho – que seriam resumidas em apenas 19 minutos de curta – estendiam-se ao longo de todo o dia, acompanhando a protagonista Lara, vivida por Marcinha Falabella, em vários ambientes diferentes.

Quando chegamos ao apartamento da Rio Branco, set do primeiro dia de filmagens, já estava no meio da tarde. Enquanto esperávamos o elevador, a euforia começava a dar lugar à ansiedade. Lílian e Carol, produtoras do curta, receberam-nos, apresentando a equipe e diminuindo o desconforto que sentíamos por sermos os únicos desconhecidos no projeto.

Começamos a tirar as fotos dos bastidores, enquanto acompanhávamos ensaios com os figurantes, análises de enquadramento, composições de cena e ajustes elétricos. Foram algumas horas para criar a atmosfera desejada. As filmagens mesmo só começaram no início da noite, prolongando-se durante parte da madrugada.

Apesar de suas especialidades, todos ajudavam como podiam em qualquer área, inclusive nós. Além de fotografarmos os bastidores, auxiliamos no cenário, na compra de itens, desenhamos e escrevemos textos que serviriam para a cena final do curta - o planejamento tinha que ser adiantado, já que o tempo de gravação era muito curto, apenas um mês, e o cronograma precisava ser cumprido.

Além do cuidado com cada detalhe, algo que chamou nossa atenção nesse primeiro dia foi a preparação da Marcinha para o papel. Ver suas atuações sempre é um espetáculo à parte, mas poder acompanhar o processo de criação da personagem foi inspirador. Ela sempre podia ser encontrada nos cantos, isolada, um pouco alheia do mundo, concentrando-se em ser mais Lara do que ela mesma.

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A casa escolhida para contar a história de Lara é localizada na Rua Halfeld, ponto de grande trânsito de pedestres e com arquitetura marcante em Juiz de Fora, que remete à memória, ao passado a que a protagonista tanto se agarra. A proprietária, Malu, já está com setenta e poucos anos, mas tinha energia e animação sobrando. Conversava com toda a equipe, prestigiou o lançamento do curta no Cinearte Palace e sempre comenta com orgulho sobre o filme.

Além de receber a equipe durante dois dias, Malu teve ‘lembrancinhas’ deixadas em sua casa: os pintinhos faziam suas necessidades em todos os lugares possíveis, mais literalmente do que desejavam os que diziam “Merda!” antes das gravações. As aves eram trocadas durante os dias de filmagem, pois cresciam rapidamente e podiam causar erros de continuidade no curta-metragem. Eles também provocaram outros transtornos: Marcinha tinha medo das aves e demorou para se acostumar com a proximidade exigida pela sua personagem.

Além de se preocupar com a interação entre atriz e ave, existia também uma atenção especial à maquiagem — ela precisava manter as caraterísticas da festa do dia anterior, mas parecendo desgastada pela noite de sono.

A rotina intensa e minuciosa é estressante, porém uma equipe alimentada é uma equipe feliz. Sempre havia uma mesa com café, pão e biscoito, cuidadosamente arranjada pelas produtoras, para que as horas de gravação não pesassem tanto sobre os profissionais.

Pausa para o café!

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Depois de algum tempo de viagem, chegamos a uma entrada afastada da cidade, que serviria como cenário do quarto dia de gravações. O caminho sem asfalto nos levou até uma igreja que atendia a uma pequena comunidade situada na região. O espaço era simples, mas de uma beleza daquelas esquecidas pelo mundo. As fileiras de bancos começaram de imediato a serem afastadas pela equipe para dar espaço ao cenário. Dezenas de velas foram colocadas no altar, enquanto alguns profissionais começavam a montar os geradores elétricos.

De acordo com o cronograma, o dia todo seria necessário para gravar algumas cenas, que equivaleriam a um pequeno corte do produto final. Dessa forma, a iluminação do ambiente foi uma grande preocupação da equipe, já que ela não poderia se alterar conforme o sol fosse se extinguindo. Então, uma luz foi usada na janela para representar o sol — garantindo poucas mudanças de cor com o passar do tempo.

Por esse e outros motivos, o quarto dia de gravações se revelou o mais desafiador de todos os que participamos. Ao gravar uma cena, você tem que estar preparado para uma infinidade de situações que afetam as filmagens: desde a própria vida pessoal da equipe, que influencia em sua atuação, até problemas relacionados a equipamentos. Nesse dia, a corda do gerador que fornecia energia para ligar a luz da janela arrebentou. Por ser um lugar remoto, esse problema poderia causar o adiamento e consequente atraso dos prazos de gravação. Foi aí que percebemos o quanto produtores bons têm um papel primordial para o funcionamento das filmagens: eles pensam em absolutamente tudo que pode dar errado e resolvem de maneira eficiente e calma os percalços que surgem. Por incrível que pareça, a Carol e a Lílian, dentre todas as coisas enchendo a parte de trás do carro, tinham trazido uma corda — sim, uma corda! — que pôde ser usada para contornar essa situação, permitindo a continuação das gravações.

Muitas vezes, também é preciso contar com a sorte. Imprevistos alheios às ambições do diretor podem acontecer, como as vontades soberanas do tempo — e dos pintinhos. A gravação de áudio do dia foi, muitas vezes, prejudicada pelos pios incessantes.

Mas, ao final, a sensação de dever cumprido, compartilhada por todos que estavam no set, prevalece, porque foi atingido o objetivo de passar a história, a mensagem do universo imaginário para a realidade. O projetor serve para mostrar aquilo que você tem de mais íntimo. O olho é apenas a lente.

 
 
 

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