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Fabricando

  • Rodrigo Ferreira | CC (BY-NC-SA)
  • 24 de fev. de 2016
  • 3 min de leitura

Tenho 128 anos, já vi e vivi de tudo. Eu vi a energia elétrica chegar a Juiz de Fora. Vi operários indo e vindo, vi pessoas apaixonadas, pessoas guerreiras, vi tentarem me destruir. E vi quando lutaram por mim. Por mim muitos já passaram, mas eu nunca passei. E daqui sigo observando e agradecendo como posso a todos que elogiam minha fachada.

Maquete Fábrica | Rodrigo Ferreira

Minha história começa com tecidos

Eu nasci uma fábrica têxtil lá em 1888. Trouxe comigo a energia elétrica para a América do Sul, trabalhadores imigrantes e ajudei a transformar Juiz de Fora na Manchester mineira. Meu pai, Bernardo Mascarenhas, nasceu em Paraopeba - hoje conhecida como Caetanópolis -, teve mais três filhos (Banco do Crédito Real de Minas, Companhia Mineira de Eletricidade e Usina Hidrelétrica de Marmelos) e morreu aos 52 anos vítima de um ataque cardíaco fulminante.

Consegui me manter sem meu pai por 85 anos, até não conseguir mais pagar as contas. Fui usado como pagamento de dívidas, passei a pertencer à União e por pouco não fui abaixo. Foi nesse momento que lutaram por mim e foi nessa época que eu entendi porque a minha presença aqui ainda era importante. Eu precisava continuar produzindo.

De fábrica de tecidos a fábrica de cultura.

A prefeitura travou um belo duelo com a União para me manter de pé. Fui tombado patrimônio histórico da cidade graças a minha estrutura arquitetônica e por representar um importante momento de expansão e inovação para Juiz de Fora. Mas eu não estaria aqui sem a disposição daqueles jovens revolucionários, músicos, artistas e toda a população que aderiu à causa, assumindo minha batalha. Meus olhos brilhavam ao ver aquelas manifestações, ocupações e aqueles jovens dispostos a fazer a diferença. Eu tô aqui é pra ser ocupado.

Movimento Mascarenhas Meu Amor | Arquivo CCBM

O movimento "Mascarenhas meu amor" deu tão certo que aqui estou eu. Amigos como Walter Sebastião, Dnar Rocha e Nívea Bracher, artistas plásticos, músicos como o sambista Mamão e Paulinho da Viola, jornalistas como Jorge Sanglard, Wilson Cid, Regina Gaio e Christina Mendes, pintores, poetas, cineastas, fotógrafos, produtores culturais e até meu mascote - o Bernardinho - foram de fundamental importância para me manter forte e preparado para receber a demanda cultural da cidade, mesmo quando eu me encontrava caindo aos pedaços. Vocês é que são o meu amor.

Dessa época ainda tenho esse panfleto já corroído pelo tempo:

Meus amigos me chamam CCBM

No dia 30 de julho de 1983 eu vi de longe 800 pessoas marchando e cantando por mim em um dos momentos mais emocionantes da minha, ainda curta, existência. Depois de transformado em Centro Cultural ainda passei por alguns problemas. Fui dividido, re-dividido e vivi momentos complicados em minha estrutura, mas nada que impedisse meus amigos músicos e artistas de me visitarem com frequência. Até eu me ver em meio a chamas.

Em 1991, mais precisamente no dia 12 de setembro, a explosão do reator de uma lâmpada fluorescente desencadeou um incêndio que destruiu dois andares de uma das minhas novas divisões, o Mercado Central. Em 1997 fechei minhas portas e somente em 2000 iria reabri-las, agora reformado e disposto a abrigar toda a cultura que eu pudesse. Sigo recebendo manutenções esporádicas que me mantém sempre pronto para suprir a demanda de espaços culturais da cidade.

Muita coisa mudou desde meu nascimento até hoje. Não vejo mais operários agitados durante todo o dia. Hoje o que vejo são pessoas caminhando por meus corredores calmamente enquanto observam as paredes. Em alguns dias fico mais agitado, sou invadido por moshs e bate-cabeças. Já presenciei tantos romances, encontros, reencontros e despedidas. E sou democrático. Já fui do rap ao rock, do samba ao funk, do teatro ao street dance. Sou da cultura local, mas abraço o país inteiro. Aliás, não é nada difícil pisar no meu palco ou expor nas minhas paredes. Abro editais todos os anos para distribuir as datas.

Não deixe de me visitar, eu ainda respiro.

E respiro cultura!

Fotos : Rodrigo Ferreira

 
 
 

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