Quero mais, tia!
- Ismael Crispim
- 17 de mai. de 2016
- 5 min de leitura
Ao longo da vida escolar, nos deparamos com diversos profissionais que desempenham, cada um a seu modo, um importante papel em nossa formação. Professores, coordenadores, as tias ou tios do corredor, da limpeza, da biblioteca; uma infinidade de categorias que não cabem na memória. Mas se você for aluno ou egresso de alguma escola da rede pública, possivelmente poderá identificar uma categoria especial: as merendeiras ou tias da cozinha.
A tia Marília Aparecida dos Santos é uma das responsáveis por deixar os pequeninos da Creche Monteiro Lobato, no Manoel Honório, de barriguinha cheia e com um sorrisão no rostinho inocente. Olham para um estranho repórter invadindo seu refeitório como se fosse uma celebridade que está ali para conhecê-los, quando as verdadeiras celebridades são eles e as tias que cuidam com tanto carinho de sua alimentação. Tia Marília coloca, literalmente, a mão na massa às sete da manhã, para servir a primeira refeição às nove e meia. Ela ama os pequenos que estão aos seus cuidados e tudo aponta que a recíproca é verdadeira. "Eles chamam a gente de tia e às vezes até de mãe", explica a cozinheira, que reconhece exercer um papel materno na vida das crianças. Marília, antes costureira industrial, conta que está gostando muito mais da nova profissão - ela trocou agulhas e carretéis por conchas e panelões há dois anos e meio. Um pouco tímida no falar, porém com os sentimentos claramente esboçados nos olhos.

"Marília Aparecida dos Santos, tia da Creche Monteiro Lobato, servindo a merenda."
Ela conta que uma das mães já demonstrou imensa gratidão por seu trabalho. A filha passou a se alimentar melhor quando foi para a creche: aprendeu a comer alimentos que não comia em casa. Teve também o pequeno Heitor, de dois anos, que no início só tomava o chocolate da manhã e depois não queria comer mais nada. Com o carinho e assistência das tias, ele passou a comer "um arrozinho, um feijãozinho e agora já está experimentando um pouquinho de cada coisa". A merenda preferida dos pimpolhos é o bolo com suco, que eles pedem para repetir diversas vezes, segundo Marília, que também é mãe de um garoto de 14 anos.
Quem estuda no turno da tarde na Escola Estadual Sebastião Patrus de Sousa, mais conhecida como "Estadual", no bairro Santa Terezinha, tem o privilégio de apreciar as deliciosas refeições preparadas pela tia Valéria Marinho (sim, o repórter provou e aprovou a merenda dela - uma canjiquinha de lamber os beiços!). Os alunos do turno vespertino são, em sua maioria, do ensino fundamental. No comando da cozinha do Estadual há quatro anos, e com seis anos de experiência como merendeira, Valéria conta que antes de cozinhar em escolas, fazia salgadinhos para festas e comidas natalinas para comemorações de final de ano, além de ter sido cozinheira em casas de família. O sonho de sua juventude era ser policial, mas o destino reservava outros planos para ela. Apesar de não ter seguido a carreira que almejava, ela não se sente frustrada. Muito pelo contrário, ama muito o que faz.

Legenda: "Quando você coloca o coração na frente, parece que o universo conspira a seu favor”, diz Valéria Marinho sobre sua profissão.
Sua rotina é corrida. Costuma adiantar a comida e deixar para finalizar quase no horário do recreio, para não esfriar. Após servir a merenda, uma ajudante vai lavando os pratos, enquanto tia Valéria lava as panelas. A pouca comida que sobra (e quando sobra), ela recolhe com o maior cuidado em um saco plástico, pois não gosta de jogar fora de qualquer maneira, de tão sagrada que a comida é para ela. Assim como Marília, Valéria considera os alunos como filhos. Tenta não ser muito rígida, mas também não muito mansa (tem que impor limites e regras!). Alguns acabam se tornando amigos: os que estudam no Senai pela manhã vão direto para a escola à tarde e levam marmita para almoçar. Eles a procuram para esquentar suas refeições, em banho-maria, antes do café dos funcionários. Quando cheguei, um deles estava ajudando a tia a carregar o panelão de canjiquinha que seria servido. A cumplicidade e o carinho estavam explícitos no rosto de ambos. Pareciam amigos de longa data. Tentando eleger um prato predileto dos alunos, a cozinheira apontou a macarronada, apesar de todos os pratos terem grande aceitação.
Quem passa pela interseção das avenidas Itamar Franco, Getúlio Vargas e rua Espírito Santo, no centro da cidade, por volta das dez da manhã, pode ouvir a algazarra vinda do Instituo Estadual de Educação, mais conhecido como Escola Normal. A essa hora, os alunos estão experimentando os sabores preparados pela tia Patrícia Frizeiro de Miranda, que trabalha no local há um ano. Ela chega na escola às seis da manhã, começa a cozinhar o feijão e coloca a água com a qual esteriliza os pratos para ferver. Com a ajuda de Jandira (outra tia), prepara o restante dos alimentos. Nove e meia é o recreio dos alunos do Ensino Médio. Ela conta que trabalhou um tempo no corredor e ali começou sua relação com os alunos, que, segundo Patrícia, gostam muito dela, são tranquilos, educados, respeitam a fila e são organizados. Brincam com as cozinheiras e adoram a comida. Às vezes perguntam se ela não vai voltar para o corredor. "Eu gosto tanto desses alunos que não sei nem como explicar. Eles me tratam mesmo como se eu fosse uma tia deles", explica, sentindo-se muito satisfeita. Tia Patrícia destaca, entre tantos adolescentes, uma garota com quem tem uma relação de afeto mais próxima: é a Emily, que a chama de "minha sogra". "Apaixonada no meu filho. Adoro ela", ressalta.

"Patrícia Frizeiro de Miranda, tia da Escola Normal, preparando a comida"
Patrícia trabalhou durante seis meses em uma escola de crianças especiais. Certa vez, um aluno desceu da cadeira de rodas, saiu se arrastando pelo corredor e foi até a cantina só para vê-la. "Aqui eu sou tia, lá eu era mãe". A nutricionista até pediu que ela desse menos comida a eles, pois estavam comendo muito e poderiam passar mal. Patrícia também é manicure. Quando não está fazendo unha, está cozinhando. São as duas coisas que mais gosta de fazer. Recentemente fez um curso de capacitação e reeducação alimentar em Belo Horizonte. Conta que já está colocando em prática na cozinha do colégio o que aprendeu no curso. Com dificuldade em arriscar um palpite de qual seria a merenda preferida dos alunos, ela aposta no arroz com feijão e batata com carne. Sobre a importância de seu trabalho, ela chama a atenção para a triste realidade de que muitos alunos vão à escola apenas para terem o que comer, pois passam necessidade em casa. Ela explica que, muitas vezes, os alunos comem alimentos saudáveis que não comem normalmente "por frescura". "Quando você faz com amor, até quem não gosta, come", acredita ela.
Fotos: por Ismael Crispim
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