Quando a educação não é para todos: a exclusão dos LGBTTI's
- Thales Rodrigues
- 10 de jul. de 2016
- 4 min de leitura
O crime de ódio é o tipo de violência direcionada a um grupo especifico, com atos motivados pelo preconceito. De acordo com um levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GBG), um LGBTT é morto a cada 28 horas no Brasil. Os dados apontam ainda que até o mês de julho deste ano, 160 gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis foram assassinados. Nos últimos quatro anos foram registrados 1600 mortes, sendo 319 casos somente em 2015.
Um dos registros mais recentes é do universitário Diego Machado, de 29 anos, graduando em Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nascido em Belém no Pará, o estudante era negro, homossexual e residia no alojamento da instituição. Diego foi encontrado morto no último dia 2, no Campus da instituição. Segundo a Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, ele estava sem as calças e com sinais de espancamento.
O caso foi amplamente repercutido nas redes sociais e alguns alunos da instituição se manifestaram, relatando que Diego era alvo constante de preconceito por ser negro e homossexual. Dias antes do crime, colegas que também residem na moradia estudantil informaram que haviam recebido e-mails com ameaças contra os alunos LGBTT’s e negros. As mensagens diziam coisas como “sabemos quem são vocês” e “queremos vocês fora daqui”.

Entidades estudantis da UFRJ noticiaram a morte do estudante. (Foto: Reprodução/Facebook)
O Uma Pá de Histórias decidiu ir a fundo nessa questão e busco estabelecer, junto a um especialista, um panorama do preconceito sofrido pelos LGBTTI’s nas instituições de ensino brasileiras. Mas antes, guarde uma informação: O Artigo 6° da constituição de 1988 estabelece a educação como direito de todas e todos, além de incumbir ao Estado o dever de garantir à população condições para acesso e permanência escolar
De acordo o coordenador do Grupo de Estudos em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Roney Polato, a LGBTTIfobia está presente em todos os níveis da sociedade. Mesmo em espaços como a universidade, considerada um local de liberdade e respeito às individualidades, ainda é possível perceber a existência do preconceito. “Ela é um ambiente que produz e reproduz essas violências e não garante a integridade de todos que estão nela”, explica.

Especialista aponta desconhecimento sobre a situação da comunidade LGBTTI. (Foto: Thales Rodrigues)
No caso das instituições de ensino básico, sobretudo da rede pública, a situação é ainda mais complicada. “A escola não é um espaço bom para todo mundo. Ela possibilita experiências muito significativas para a vida, mas pode ser um local de sofrimento”, relata Polato. Um dos agravantes, citados pelo coordenador do Gesed, é a dificuldade em se discutir assuntos relacionados à diversidade sexual e de gênero em sala de aula.
Ele afirma também que os profissionais de educação precisam estabelecer um diálogo inclusivo com os estudantes e não reproduzir estereótipos e preconceitos em suas atitudes. Com isso, ajudam a construir uma ideia de diversidade muito menos baseada no que a sociedade entende como padrão ou normatiza e possibilita um combate ao preconceito contra LGBTTI’s. Contudo, de acordo com o especialista, conhecer a vida dos estudantes e suas necessidades não é uma tarefa fácil, “especialmente na escola pública, onde você tem um grande número de alunos por turma. Isso dificulta uma relação maia próxima, ainda que não a impeça”, pontua.
Padrões da educação
E como o atual modelo educacional impacta a vida da comunidade LGBTTI? O que a nossa fala, por vezes, reproduz e legitima? Como a ruptura dos padrões é vista? Esses são alguns dos questionamentos necessários para entender como a LGBTTIfobia contribui na evasão escolar. Quanto mais uma pessoa rompe ou ultrapassa as fronteiras de gênero, o preconceito e a violência são potencializados.
“Se na escola você tem um gay ‘dentro do armário’, totalmente ‘higienizado’ e hereronormativizado; e você tem uma travesti, com certeza ela vai sofrer muito mais, porque está nítido e materializado o rompimento da norma de gênero”, exemplifica Polato. Um dos causadores dessa situação é a dificuldade de reconhecimento das minorias por parte da população.
Com a invisibilidade dos LGBTTI’s, não são pensados mecanismos para evitar sua marginalização e exclusão social. No âmbito educacional, por exemplo, não há medidores oficiais para quantificar quantos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais interromperam sua formação por conta de preconceito.
“Em Juiz de Fora, na última Conferência Municipal LGBTTI, vimos que não temos sequer estatísticas sobre esses estudantes nas escolas da cidade”, alerta Polato. “Não sabemos das situações de violência, exclusão, quantos permanecem e quantos saíram da escola”. Ele afirma ainda que o assunto “não interessa para o poder legislativo e o executivo”.
O Estado rompe com a Constituição ao descumprir seu papel de preservar o acesso à educação. Faltam políticas publicas que garantam a seguridade social dentro das instituições de ensino. LGBTTI’s são expostos diariamente a humilhações por sua condição sexual e sua identidade de gênero. Uma luta, muitas vezes, solitária para permanecer no ambiente escolar.
Um estudo feito pela organização internacional Conselho da Europa identificou que jovens submetidos ao assédio homofóbico são mais propensos a abandonar os estudos. Além de serem mais predispostos a praticarem automutilação, cometer suicídio e outras atividades que impliquem risco à saúde.
Polato defende que “muito além do conhecimento técnico nós precisamos de um conhecimento que nos possibilite ser alguém diferente na sociedade”. Não podemos continuar formando apenas um profissional para o mercado de trabalho, mas sim pessoas que possam modificar e melhorar a sociedade.
“Preocupa-se muito com o conhecimento sistematizado e pouco com aquilo que é a relação do sujeito com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Isso implica em uma relação com as diferenças e com a alteridade que é pouco problematizada na formação”, ressalta o coordenador do Gesed.
Diogo estudava para se tornar um educador. Possivelmente iria ensinar seus alunos sobre a importância da diversidade e da liberdade. Contudo, sua diversidade não foi aceita e sua liberdade foi arrancada e se tornou uma vítima da intolerância. O Estado parece ter falhado mais uma vez.
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