O nome e a formação da identidade
- Thales Rodrigues
- 21 de jul. de 2016
- 5 min de leitura
Qual é o seu nome? Essa pergunta poderia ter uma resposta simples. Agora, imagina como seria se você tivesse um nome de registro que destoa da sua imagem. Pois é, essa é a realidade de muitxs travestis e transexuais que não são reconhecidxs pelo seu nome social. Diariamente, elxs lidam com o preconceito e o desrespeito ao nome que lhes representa.
Nosso nome civil, aquele que está em nossos documentos, pode ter sido escolhido por nossos pais, um familiar ou pessoa próxima. Crescemos ouvindo que aquele nome vai nos diferenciar dos demais, por isso, precisamos nos orgulhar dele. Vamos usá-lo durante toda nossa vida, ele vai ser nosso cartão de visita: “Oi meu nome é…”.
Para o estudante de direito de 20 anos, Thiago Lima, assumir seu nome social foi algo difícil. “Talvez por um preconceito velado meu ou até mesmo medo eu preferia que meus amigos não me chamassem no masculino”, explica.
Thiago é um homem trans e desde o ano passado utiliza seu nome social, condizente com sua identidade de gênero. “Quando eu me assumi, já estava na faculdade. Todos os meus professores passaram a me tratar pelo social a partir do momento que fiz o pedido a eles. Ele também foi aceito pela secretaria e incluído na chamada. Só que teve um problema, o dono da faculdade vetou isso. Eu não pude ter o nome social respeitado”, relata o estudante.

Arquivo Pessoal
Por conta disso, Thiago optou por se transferir para outra instituição. Hoje seu nome social é respeitado no sistema da faculdade e nos demais âmbitos acadêmicos. “O nome da pessoa é o que forma a identidade dela. É uma coisa importante para a quem é trans ou cis. Ser reconhecido pelo nome social é uma das melhores coisas que aconteceram comigo, porque mostra que quem respeita o nome social, respeita a minha identidade”, destaca.
Ainda não existe uma lei que regulamente a utilização do nome social e o respeito a quem o utiliza. O Ministério da Educação lançou uma normativa que aconselha as instituições de ensino a permitirem que xs alunxs travestis e transexuais sejam reconhecidxs por seus nomes sociais dentro do ambiente acadêmico. Contudo, a adoção dessa normativa é opcional.
No caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo, 408 travestis e transexuais poderão usar o nome social nos dias de provas da edição 2016. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), isso representa um aumento de 46% em relação ao ano passado.
Outra ação nesse sentido foi tomada pelo Ministério da Saúde, que permitiu a utilização do nome social no Cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, para ter a retificação do nome social e transformá-lo em nome civil, é preciso entrar com um processo judicial.
Militante transexual do Grupo de Visibilidade e Militância para Travestis, Transexuais e Intersexuais (Visitrans) e integrante do Coletivo Duas Cabeças, Bruna Leonardo passou a utilizar o nome social em 2006. “Passaram a me chamar de Bruna e gostei, foi muito bom e importante para mim porque me senti muito confortável. Tive uma aceitação muito grande da minha família”, relata.
Em 2011, ela entrou com o processo para retificar seu nome. “No primeiro posicionamento da Justiça, a juíza procurou o significado de ‘sexo’ no dicionário, disse que ele é biológico e não tem a ver com o psíquico. Que o meu nome social oferecia mais constrangimento porque eu seria uma pessoa com uma genitália masculina com um nome de mulher”, explica.
Bruna teve seu pedido negado e precisou passar por uma série de avaliações com profissionais da área da saúde e assistentes sociais. “Foi até preciso comprovar que eu não tinha ficha criminal e estaria querendo mudar o nome para fugir da Justiça. Também tive que comprovar que vivo como mulher e que as pessoas me enxergam assim”, relembra.

Crédito: Jéssica Pereira
O processo foi paralisado diversas vezes. Bruna nunca soube ao certo porque sua conclusão demorou tanto. No dia Internacional da Mulher deste ano, ela organizou uma manifestação em frente ao Fórum para pedir um posicionamento da Justiça em relação a retificação do seu nome. “Quando você coloca a mídia e convoca a movimentação de mais pessoas, isso chama a atenção. Tenho certeza que só diante dessa manifestação e do incômodo que ela gerou é que meu nome saiu de acordo com o meu gênero”, conta Bruna.
Agora ela pode alterar toda a sua documentação e ter em seus registros civis o reconhecimento do seu nome. Para Bruna essa foi uma vitória, mas ela acredita que outros desafios estão por vir. “Eu luto para que todas as pessoas trans possam usar o nome de acordo com seu gênero. Isso está ligado à nossa individualidade, ninguém pode questionar”, aponta.
A luta continua
O Visitrans e o Coletivo Duas Cabeças possuem uma rede de apoio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Juiz de Fora, a Faculdade de Direito e o Núcleo de Psicologia da Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Vamos marcar uma reunião na OAB com a Comissão de Diretos Humanos e Cidadania para levar as pessoas que estão com o processo de retificação do nome para verificar como está o andamento. Com isso, tentar agilizar esses processo”, relata Bruna.
A Comissão atua como estancia fiscalizadora e de cobrança do judiciário e realizou um mapeamento para identificar quais advogados e advogadas estão atuando nos processos que estão em andamento. “Fazemos um acompanhamento e estamos conversado na tentativa de unir e mapear as pessoas que buscam na justiça o reconhecimento do nome social. Temos o conhecimento de que são aproximadamente 40 processos”, explica a advogada popular e integrante da Comissão de Diretos Humanos e Cidadania, Lia Manso.
De acordo com a advogada, o nome é um direito a personalidade e um direito fundamental garantido pela constituição. “Antes de tudo é um direito humano para conseguir outras exigências e direitos. Temos vários tratados e constituições que resguardam a conquista das e dos transexuais e travestis de terem reconhecidos o nome social em um primeiro momento e depois a transformação desse nome em um nome civil”, explica.
Segundo Thiago Lima, além do nome, outro fator que causa constrangimento aos travestis e transexuais é ter em seus documentos um gênero que destoe de sua identidade. “Muitas pessoas que conseguiram a mudança no registro não conseguiram alterar o gênero”, destaca.
Para o coordenador do Grupo de Estudos em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed) Universidade Federal de Juiz de Fora, Roney Polato, o nome social atua como um paleativo. “Ele vai representar para a pessoa ser reconhecida, mas é apenas um primeiro passo para um reconhecimento mais amplo”, ressalta.
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