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Histórias de Anas e Mias*

  • Carina Salgado e Monalisa Lima
  • 19 de mai. de 2016
  • 5 min de leitura

Foto da campanha “You are not a stack, say no to anorexia” (em português, “Você não é um croqui, diga não a anorexia) publicada em 2013 pela agência Star Models

Ansiedade, culpa, descontentamento, compulsão alimentar, impulsividade, aversão a alimentos e fadiga são alguns dos indícios de que há algo fora do comum. Eles podem indicar problemas alimentares, como anorexia e bulimia, ou ana e mia, como são “apelidadas” por quem apresenta este diagnóstico. O número de casos desses transtornos alimentares vem aumentando entre homens e mulheres de todas as idades. O documentário Anorexia: A Boy in a Girl's World, produzido da BBC, mostra que a anorexia, por exemplo, está longe de ser um problema apenas das mulheres: uma em cada quatro pessoas diagnosticadas com esse distúrbio é do sexo masculino.

Esse quadro apresenta diferentes formas de interpretação. Alguns tratam como um estilo de vida, outros simplesmente não querem lembrar que isso é parte de suas vidas. Grupos na internet, fóruns e até blogs são criados para falar do tema. Alguns têm como objetivo ser um espaço para compartilhar dúvidas e denunciar esses comportamentos, tendo em vista que são prejudiciais à saúde; outros espaços dão dicas de como emagrecer mais rápido e até mesmo como esconder os distúrbios dos pais. Anorexia e bulimia, não devem ser tratadas em 5 minutos, nem sem conhecimento de causa, por isso nada melhor do que ouvir quem vivencia essas experiências de perto.

C.T., mãe de Esteban, 18 - Itajubá-MG

“Comecei a perceber que ele ia ao banheiro direto. Principalmente depois que se alimentava. Quando me dei conta, procurei ajudar. Foi um medo enorme. Ele tem 1,75 de altura e pesava 48 kg. Eu procurei orientá-lo, mas era inútil; a cada tentativa ele piorava. Ele não queria ajuda. Sempre tirou notas boas e o vi desistindo de tudo, até da escola. Iniciei uma luta porque ele começou a ter depressão. Então, tive meu primeiro pesadelo: ele tentou se matar. Depois que ele aceitou o tratamento em 2012, aos 14 anos, a luta é constante. Ainda tem episódios todos os dias. Quando não vomita, não come. Faço o que posso. Já o levei ao psiquiatra, nutricionista, psicólogo. Se eu pudesse, trocaria de lugar com ele. Isso vem de vários sentimentos da infância. Aos 4 anos perdeu a avó que ele amava muito, depois o pai em um acidente de moto. Agora com o tratamento descobri que ele foi violentado pelo tio e a partir disso começou a ter nojo de si mesmo e a ser bulímico. Me dói muito como mãe, é muito difícil. Penso quantas crianças estão sofrendo e os pais nem desconfiam”.

T. P., 17 - Mato Grosso

“Eu sempre fui gordinha. Para a sociedade, tenho um corpo normal, mas não para mim. Eu sempre fiz dietas normais, consideradas seguras, porém não achava suficiente. Sempre sofri com ansiedade e uma solidão profunda que não chegava a ser depressão. Aos 15 anos comecei com a mia, na época eu nem sabia desse apelido. Perdi 10 kg em 1 mês vivendo somente a base de sucos naturais; não comia, somente líquidos. Então, quando tinha compulsões ou me obrigavam a comer eu miava. Como eu havia chegado na minha meta, não precisaria continuar com a dieta e nem com a bulimia, porém recuperei meu peso, não todo, mas parte dele, e estava me sentindo normal. Esse ano, pesquisando sobre dietas, encontrei blogs sobre ana e mia e fui a fundo por curiosidade. Sem perceber comecei a fazer parte desse mundo de novo. Fiquei paranoica, perdi 9 kg em 3 semanas. No começo achei que quando batesse minha meta, que é 41kg, pararia, porém sempre queremos mais e mais, nunca estamos satisfeitas. Vivemos num mundo escuro, passamos fome em busca do corpo perfeito, e quando temos compulsões nos punimos: ou com vários dias sem comer, ou com a mia, laxantes em excesso e mutilação! Esse é um mundo que não é fácil sair. Nunca busquei um tratamento porque não quero engordar, sei que preciso ser assim pra ser magra. Sei que isso vai prejudicar minha saúde, inclusive já tive vários problemas decorrente disso: gastrite, anemia, automutilação, dores fortes no estômago, problemas na garganta por causa do vômito. Já procurei nutricionistas, porém os resultados que consigo em 1 mês [adotando essas práticas], eu só conseguiria em 6 meses ou mais com a dieta normal. Minha relação com a comida é assim: eu fico bem uns 4 dias sem comer, sinto vontade mas me seguro. Normalmente durante esse tempo tenho compulsões, mas o corpo acostuma a ficar sem comida. Eu choro às vezes de fome, mas tento me controlar. Evito sair de casa para que as outras pessoas não me vejam mudando, e quando eles veem que eu emagreci demais, falo que é academia e dieta, invento algo. Meu irmão é o único que sabe de tudo, porém não me julga, mas me aconselha. Não vejo a anorexia e a bulimia como uma doença, vejo como um estilo de vida.”

Elisa B., 20, Belo Horizonte-MG

“Tive uma ‘pré anorexia’. Na época tinha 14 anos e eu simplesmente achava que estava gorda, mas pesava 46 kg e tinha 1,63. Eu me via gorda no espelho. Só fazia duas refeições por dia, e uma era só miojo. Até que eu peguei uma infecção muito forte porque meu corpo estava fraco, e eu fiquei muito ruim. Meus pais perceberam que eu estava indo pra um caminho sem volta e me colocaram num tratamento com uma psicóloga comportamental. A partir daí as coisas mudaram. Hoje em dia sou assim: ‘Comida? Quero!’. O caminho para uma ‘cura’ é primeiro aceitar que você precisa de ajuda, depois se apoiar em pessoas que querem o seu bem, família, amigos e ajuda profissional, que é muito importante. Muita gente acha que terapia é coisa de gente doida, mas nada mais é do que uma conversa com alguém que vai te ajudar a caminhar. Decidi parar de entrar nesses sites ‘pró-ana’ e ‘pró-mia’. Passei a ter uma relação diferente com a comida, a experimentar coisas novas que me despertavam interesse”

Aline Theodoro, 28, São José do Rio Preto-SP

“Sempre fui gordinha. Comecei a ter anorexia aos 13 anos, por causa dos amigos na escola fazendo deboche. Quando era criança, minha educação alimentar era normal, minha família não ligava muito pra isso. Comíamos fora quase todos os dias em churrascarias, fast-foods, essas coisas. O assunto me incomoda um pouco, mas aprendi a controlar, porque mesmo não sendo mais criança sou vigiada constantemente. Já busquei tratamentos, mesmo contra a minha vontade. Fiquei internada por várias vezes porque desenvolvi crises. Corto partes do meu corpo pra me punir. Minha família sabe, por isso eles me vigiam, não me deixam sozinha. Hoje me controlo mais, porém quando tenho alguma compulsão, ai eu vou miar (vomitar). E o jeito que tenho de punir essa culpa é me cortando. Escondo lâminas dentro do colchão, em vários lugares, mas minha família sempre acha. Hoje em dia tenho nojo de comida, mesmo que talvez ela seja a minha salvação. Já cheguei a pesar 40 kg, fiquei pele e osso. Hoje estou com 69, mas muito revoltada, me achando enorme, nojenta em meio a tanta gordura. Não sei se outro tratamento me ajudaria, já fiz vários e não adiantou. A ana e a mia nunca me largam”.

*Nessa reportagem alguns nomes foram trocados para preservar as entrevistadas.

Deixamos você leitor, com as imagens de uma campanha com esse tema, para ilustrar seu momento de reflexão.

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